quarta-feira, 3 de maio de 2017

O despertar

Há 10 anos escrevo aqui. Estava refletindo dia desses - e até escrevi algo que deixei arquivado, pra variar um pouco - quantas coisas passei desde que comecei o blog, lá em 2007.

Não tem como negar que amadureci. Não tem como negar que, se antes expunha o blog, compartilhava, deixava todo mundo "me ler", hoje ele é um espaço quase nunca compartilhado, restrito e com uma importância mais pessoal e intimista.

É claro, ele está na internet e vejo os acessos que cada postagem tem, mas entendo que o fato de não divulgá-lo o torna mais meu do que de qualquer outro ser humano que passe por aqui.

Sempre fui fechada. Sempre fui pra dentro. Sempre tive meu universo particular. Sempre fui uma filha ausente, mesmo presente dentro de casa. Talvez não tenha sido sempre. Tenho uma memória de infância, na casa do meu tio preferido, meu tio Antônio. Eu estava sentada na mesa, na casa dele em Goiânia, e ele virou pra minha mãe e falou algo parecido com: o que aconteceu com a alegria dela? Não foram exatamente essas palavras. Mas é como se, de repente, tivesse passado por algum portal.

Não era tristeza. Não me falta alegrias na vida. Mas, de repente, como diz um trecho de uma carta da Frida: "Algum tempo atrás, talvez uns dias, eu era uma moça caminhando por um mundo de cores, com formas claras e tangíveis. Tudo era misterioso e havia algo oculto; adivinhar-lhe a natureza era um jogo para mim. Se você soubesse como é terrível obter o conhecimento de repente - como um relâmpago iluminando a Terra!".

Meu tio talvez viu algo que ainda estava imperceptível. Pra mim, ao menos.

Hoje, vendo de maneira distante, entendo como é difícil conviver e criar seres humanos. Somos todos frutos de passados difíceis ou de memórias perturbadoras. E somos todos frutos desses passados convivendo com outros passados e ranços que se misturam. Como diz minha amiga Luciana, somos todos "dodóis da cabeça". De alguma forma, alguns se expõem mais e outros menos.

Apesar de "pra dentro", sempre fui transparente. Tenho outra memória, já no Ensino Médio, de uma professora falando: "não adianta falar uma coisa, se eu estou vendo outra em seu rosto". Nunca soube fingir sentir algo que não sinto. Só que, muitas vezes, falseava o sentimento. Em outras, não tinha tato o suficiente pra saber como sentir. Estranho? Talvez, mas sempre quis lidar melhor comigo e com o outro e acabava trocando os pés pelas mãos.

Quando era apego, pensava que era amor.

Quando pensava que era amor, era mais um relacionamento abusivo.

Leio e leio e leio textos budistas, que sempre li, desde os 14 anos, e tento absorver. Mas, meu deus!, como é difícil.

De novo:
como
é
di
fi
cil.

O principal passo, percebi, é se entender. É ser melhor pra você. Só que evolução não vem assim, da noite pro dia. Assim como não aprendi a ler da noite pro dia, assim como não aprendi a andar da noite pro dia.

O meu despertar pra mim mesma vem quando eu observo que exatamente a um ano atrás eu estava de frente ao Oceano Pacífico, na casa mais linda que o Neruda poderia ter construído pra ele, e estava mal, estava triste, estava acabada. Era resultado acumulado das "cabeças dodóis" que se uniram e, ao invés de se ajudarem, se destruíram, deixando amor se transformar em apego. Aliás, era amor ou era apego?

O meu despertar vem de entender que, sim, é duro, é difícil, é lento, mas é necessário dar tempo ao tempo.

O meu despertar vem de me policiar, de olhar pro céu (minha válvula de escape em dias de incerteza), de pedir ajuda, quando necessário.

Pedir ajuda foi uma das lições fundamentais que aprendi no último ano. Até então, achava que dava conta. Mas não, nem sempre a gente dá.

Há 10 anos eu começava você e hoje eu percebo que era só um começo de um jornada que é cada vez mais interna.

Uma jornada.

E como toda jornada, têm tropeços e recomeços.

A caminhada é longa.

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