quinta-feira, 30 de setembro de 2010

casa de bonecas

a minha casa não é mais a casa de bonecas da infância.
não pego cada pessoa com as mãos e invento estórias e personagens.
não subo escadas
não tomo chás de mentirinha
nem abro a cristaleira rosa fingindo pegar uma taça de vinho ou de champanhe, nas raras ocasiões especiais.
não tenho se quer cristaleira e mesmo que a tivesse certamente o rosa teria ficado no passado em que meninos tinham sempre que levar refrigerante e meninas salgadinhos.
não, não defino minha vida entre rosa e azul. às vezes simplesmente nem há cores.
não troco a roupa das minhas bonecas, digo, personagens, como se fosse a coisa mais importante do dia
nem refaço diariamente a cena de beijos e amor dramatúrgico que um suposto Ken tinha com uma Barbie tão fora de qualquer padrão corporal existente.
não há mais amor no meu passado e nem cenas picantes de amor no meu presente.
aliás, que tipo de amor uma criança empunhando bonecas de plástico fingia existir?
que amor seria esse de dormir junto em caminhas de madeira tão bem talhadas?
a minha casa era maravilhosamente linda, tenho que dizer.
feita rigorosamente a meu gosto e vistoriada madeira à madeira pelo meu pai.
ele, inclusive, se enciumava quando em meu lugar entrava alguma prima distante querendo mudar a estória de vida dos meus personagens - para elas tanto fazia quem era o casal, de repente, haviam trocas que eu nunca imaginaria em sã consciência. não! meu pai tinha razão: na minha estória ninguém podia mexer. era minha e ponto.
porém, tive que fingir aprender a lidar com pessoas e deixar as bonecas
confesso, não por não poder pegar as pessoas e inventar falas, abraços, beijos, sonos profundos e divididos, mas sim por não poder simplesmente trocar uma roupinha qualquer.
viver é mais complexo e mais duradouro, por mais que as minhas bonecas estejam todas em alguma estante do meu passado, viver é tão duro quanto ver a casinha de madeira ter sido transformada em um depósito imenso de tralhas sem serventia alguma.
não tenho desejos de manipular, não tenho desejos de moldar, mas confesso, tenho desejo de ser abraçada por quem desejo que me abrace. e não posso.
acho que uma prima distante revirou minha história: eu, uma boneca deformada pelo tempo, perdi espaço para uma nova sensação da estrela, mais nova, com a bunda mais empinada, a cabeça menos atordoada, a simplicidade mais aflorada - um super lançamento.
e entendo.
mas entender de forma alguma significa sofrer menos.
a minha casinha virou pó. e até para o pó há solução: com um pano molhado vai embora e, se volta, nada como a boa insistência do pano. alterne, panos secos e molhados e sempre terá a poeira indo embora. (mas de algum modo ela volta, não é?)
não sei que tipo de amor era aquele entre o casal de bonecos. não consigo lembrar de onde vinha um amor tão dilacerante, tão fortemente bonito, tão veementemente abraçável. tão carinhosamente amado. era amor. era simplesmente amor. ou não era.
gostaria de subir escadas
de tomar chás de mentirinha
de, só por hoje, abrir a cristaleira para tomar champanhe
e depois, bem depois, de comemorar um amor de seres tão pequenos como bonecos de forma tão grande como eu, criança, imaginava.
só por hoje queria me reduzir para caber na caminha de madeira tão bem talhada. só por hoje queria ficar pequena para amar grande.
e saber que mesmo sendo uma boneca deformada pelo tempo que ele, meu boneco de plástico, me amasse dessa mesma forma. que não visse em mim um poço do que tenho sido, mas um monte de coisas que já fui e que continuo querendo ser: hoje, simplesmente me abrace e me minimize para eu crescer.

café, acabou o amor.

meu quarto é o retrato da minha vida: uma bagunça.
pelo chão, ao invés de passos é possível ver claramente livros, cadernos rabiscados com poemas que nunca serão publicados, latas de cerveja de várias marcas, anéis apertados para dedos gordos, um pouco de sangue misturado com certezas mentirosas.

no ar, fica a dúvida inevitável: a fumaça dos velhos vícios, a fumaça daquilo que pede socorro sem pedir. seria isso? seria?

para quem me lê diariamente e pensa que pensa como eu penso, aliás, que pensa que sabe como eu penso, eu digo: é fato, é verdade. mas até que ponto algo muda para ficar exatamente como está? e até que ponto algo muda para piorar o que já estava ruim? até que ponto algo que havia mudado volta a mudar para entristecer?

a semana tem sido pesada e as notícias que me chegam mais duras ainda.

então, por favor, volte com a certeza que ficará e me deixe afundar com a certeza da incerteza.

sim, existe amor. mas será que eu vou ter que dizer: café, acabou o amor?

domingo, 26 de setembro de 2010

cada vez mais concordo que a felicidade só é verdadeira se compartilhada. Chris tinha razão.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

do tempo sem chuva

pensando em ódio mútuo nenhum lembrou-se que ainda podia restar o amor mútuo.
e restou
o quarto soprando o vento quente teve sabor de saudade
e deixei que soprasse
não pelos mesmos gostos
nem pelos mesmos cheiros
o vento trazia aquilo que vento traz:
alívio de pronto
calor depois que se vai

o que havia mudado depois que o vento deixara de soprar?
o que havia transformado depois que o vento deixara de existir?

o tempo mudou

depois do tempo, veio a chuva
a chuva era tão rara que nem fazia parte do tempo

chover significava parar o tempo
dar significado a vida, isso era a chuva
e depois que a chuva veio, logo se avechou e foi embora

sem tempo chuva não queria ficar
sem vento tempo não queria passar

pela janela percebi que ventava no tempo da chuva.

milagres são coisas que
acontecem com as chuvas

e chegam com o tempo.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

hoje confesso que a saudade que não deveria sentir está me pegando de jeito.

é dolorido.

pois que seja assim mesmo.

da culpa nossa, restou a culpa minha. a culpa de sentir saudade.

e já que é culpa, que doa bastante doído.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

é tudo uma questão

queria acreditar no acreditável, mas nem nisso as minhas crendices tem deixado que eu acredite. o que me espanta não são os outros, sou eu mesma.não é o que fazem de mim, é o que eu sou e o que refaço dos outros.
o popular me soa tão raro, assim como as coisas que eu deveria estar acostumada ainda me espantam. e gosto disso. gosto do espanto, como gosto de meu "autistar" do mundo para perceber que o vento empurra a folha que o vento já havia derrubado no chão. percebo a folha, reolho o chão, refaço o sentimento me empurrando com o vento. não me movo. ou movo. é tudo questão de lugar. estava exatamente ali quando nos conhecemos - e não, não ache que é você - eu estava exatamente naquele lugar, que pode ser qualquer lugar, quando nos conhecemos. é tudo sempre igual. o lugar, o(re)conhecimento, as promessas, a vida, o mar, o céu, as flores...ah! - amor, acabou o café ou - café, acabou o amor? o que fica quando se vai? o chão fica, assim como as folhas se renovam e caem ou não caem, é tudo uma questão de estação.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

paz

Braços urgentes dos teus
Olhos salgados de mar
O breu tão claro em mim
A paz de respirar.

me entardeço.

Fita-me
Arranca-me
Jogando depois
Na vala comum

Em que país me apareceu?
Com sua língua estranha
Com seu idioma nocivo
Com seu vício de vida

Seu olhar me come
Meu olhar te mata

Te escuto,
não me fita

Te escureço,
e me entardeço,enfim.