segunda-feira, 2 de novembro de 2020

poema sem lugar

Eu sou de um lugar que não mais existe
Onde nasci, sequer fiquei
Onde cresci, os terrenos cheios de verde e vida foram aos poucos sendo substituídos por concretos e tristezas
Histórias foram construídas onde antes o vento passava leve e os pés de mamona cresciam selvagemente
Eram aquelas as mesmas mamonas que brincávamos em guerras imprudentes
A rua, de chão batido e que nos deixava da cor da terra, foi aos poucos dando lugar a uma outra tonalidade acinzentada
Chamavam aquilo de progresso, mas lembro de ser apenas asfalto quente e duro, que ralava nossos joelhos e trazia o vermelho-sangue à tona
Eu sou de um lugar que não mais existe
Tudo foi sendo aos poucos substituído
Da memória que busco vez em quando, nada sobrou
Saudade é um naco de apagamento: nada do que se lamenta ter passado existe em outra dimensão
Tiraram as árvores
Tiraram a terra
E, a cada retirar, o sangue também foi dando lugar ao nada
Eu sou de um lugar que não mais existe
E esse lugar é agora