quinta-feira, 31 de agosto de 2017

faz muito calor
olho pela janela da sala e a fumaça tampa qualquer visão do horizonte
uma cortina de fumaça, é nisso que a cidade se transformou enquanto dormíamos
primeiro, veio o desespero
não conseguíamos respirar
depois, entendi que é possível se acostumar com tudo
só não acostuma-se com a morte
porém, tal qual a morte, a gente esconde a dor na gaveta profunda do cérebro
tenho muitas gavetas profundas no cérebro
aparentemente elas começaram a derreter.

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Frances Ha

tem uma cena no filme Frances Ha que assisto repetidas vezes. muitas mesmo.
é tão besta e tão Frances, mas há algo nela que é exatamente a sensação que talvez muitos queiram ter e sei lá se esses mesmos muitos têm.
é quando ela fala da "sensação" e do que espera de um relacionamento. e brinca pelo fato de talvez ser por isso que continua solteira.
e segue dizendo que é uma "coisa"
é quando o casal sabe que um ama ao outro, ou seja, é recíproco, e eles estão no meio de um salão, de uma festa, conversando com outras pessoas
e de repente
os olhares se cruzam.
e não por ciúmes ou possessividade, mas porque "that is your person in this life"

e Frances continua falando que é engraçado e ao mesmo tempo triste, porque esse mundo vai acabar e, ao mesmo tempo, esse "mundo secreto" do casal é um mundo imperceptível pros outros. é o mundo deles.

e finaliza dizendo que é isso que ela quer de um relacionamento.

e reflete que na verdade é isso que ela quer com a vida: amor.

a cena é cortada com ela falando pros amigos que ela parece 'doidona', mas que não está. agradece o jantar e vai embora, deixando todo mundo com o queixo caído.

é uma cena engraçada, melancólica, triste (pelo fato de não a entenderem) e mostra tudo que a personagem Frances é ao longo do filme.

não sei porque sempre paro nessa cena, desde sempre, desde que vi o filme pela primeira vez, em 2012.

talvez seja pelo fato de entrar em situações descabidas e, pra falar a verdade, desde 2012 não haveria nem festa.



tem horas que a vida é um salão vazio.


sexta-feira, 25 de agosto de 2017

te vejo lá do alto e parece que você não volta.
depois que seus pés passaram pra lá e pra cá o córrego dos índios
e você subiu e desceu as dunas da praia da fazenda, algo aconteceu.
você olha profundamente pra essas fotos e elas dizem muito, mesmo não mostrando nada
é o chão cheio de lama
é a sombra da tia e do sobrinho
é a sua sombra
é a água turva que você sempre teve medo
aqueles olhões de jabuticaba da infância não existem mais
as perninhas tortas continuam as mesmas
a cor desbotou um pouco
e você cresceu
murchou pra dentro
cresceu pra fora
pensou que fosse explodir de tanto chorar
e foi pra debaixo da cama
ainda quer ir
mas não te cabe mais
você sabe.





quarta-feira, 16 de agosto de 2017

entre ondas e pedras

Quando a distância se fez
A saudade foi, aos poucos, abrindo pequenos buracos
De repente os buracos foram crescendo
E no lugar de braços
Pernas
Tronco
E fios de cabelo
O corpo foi desaparecendo
Fui sumindo
Ficando miúdo

O único órgão completamente intacto
Foi o coração
Tentei fazer com que a cabeça ficasse
Mas o cérebro não quis permanecer porque já sabia que era o coração que mandava
Ele, então, voou
Fiquei desarrazoada

Desde então meus buracos aumentam e diminuem de tamanho conforme a dança que faço com o coração
Parece um tango: é preciso estar atento e em parceria constante com outro ser humano
Tem dias que é apenas um carnaval: samba-se sozinho, porém em companhia
Outras vezes é forró: grudadinho é mais gostoso
Mas não são poucas às vezes que os buracos parecem ser música clássica: lentas, e na mesma proporção, fortes

Como arrebentação de ondas, os buracos parecem abrir e fechar no ritmo de um coração acelerado
As pedras que recebem as ondas sabem de sua força
Mas não se movem
As pedras entendem as ondas e as acolhem, sabendo que logo se vão
Para voltar imediatamente

Ainda não entendi se nasci pra ser onda ou pedra
Apenas tenho vivido entre espaços cheios e buracos
Esperando o mar tocar nas pedras e ficar.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

eco

às vezes me sinto vazia
é como se houvessem vários espaços:
buracos no corpo procurando por encaixe

deito
fecho os olhos
e não tem nada que me faça querer começar tudo exatamente outra vez.