quinta-feira, 25 de agosto de 2011

dagmar e o silêncio

naquela manhã em que o silêncio cortava por entre as árvores de manga, senti que ele podia falar mais que qualquer palavra. e deu medo. o silêncio falar? dagmar me ensinou quase tudo que podia e o que me ensinou mais, foi quando estava em silêncio. ela olhava as mangueiras, o pé de abacate, o coqueiro rasteiro, a grama, a antiga horta; na época de flor, era nas cores que dagmar perdia o silêncio dela. e ficava horas. eu observava dagmar e ela não me via. o que será que pensava? e pensava?

os homens diziam que ficar sem pensar era exercício mais difícil do que pensar em qualquer coisa, inclusive em ter que não pensar. mas dagmar sabia explorar o silêncio. eu me impressionava. garoto, queria perguntar tudo, questionar tudo, ver tudo, tocar em tudo, provar tudo, cheirar tudo, eu queria que as coisas me absorvessem e que eu fosse absorvido pelas coisas. queria ser inteirinho, inteirinho as coisas. todas elas, sem medidas. queria entender, queria gritar e dagmar, com aqueles olhinhos negros como dia sem lua, falava: pshhhh. era tão baixinho e suave que dava vontade de enlouquecer só pra ouvir o pshhhh de dagmar. eu sabia me calar, mas não sabia ser ela. e ela sabia muito bem o que era. isso me faltava. eu era incompleto. dagmar era inteira silêncio e sabedoria.

no dia em que dagmar se foi, eu pensei que podia ser ela. então tentei: sofri calado. chorei em silêncio. amargurei olhando por entre o silêncio das mangueiras. ali, debaixo daqueles pés gigantes de manga, do abacateiro, da grama, da antiga horta, eu chorei miudinho. e fazia tanto silêncio, que jurei que era isso que dagmar tinha virado: o silêncio. as folhas das árvores de manga se tocaram pelo vento e o barulhinho foi um pshhhh baixinho, baixinho. agora era fato: dagmar tinha virado silêncio e eu tinha absorvido o silêncio de dagmar. tínhamos nos absorvido.


sexta-feira, 19 de agosto de 2011

a capa.

gosto da capa. do que esconde e só eu posso ver. do anunciado mistério revolto em revolta. das pintas. das mãos, dos dedos. das três marias no ombro direito. do cabelo, solto. do cuidado. mas a capa ainda é o melhor. ou o pior. a contradição entre ódio-amor é o que me faz viva. é o que me deixa confusa e estar confusa é ter a certeza que tudo é muito estranho se as coisas vão muito bem. andar em linha reta pra quê? bom mesmo é se perder.
será que o super herói coloca a capa pra esconder o rosto? ela, a capa, é a forma de ele se livrar dos vilões cheios de super poderes sempre vencíveis? o que não é vencível quando o protagonista da história é exatamente quem está vivo por ela? é, eu gosto da capa, mas quando eu vejo o rosto, eu me sinto plena. em paz. e não há bandido que apague o herói.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

pássaro preto sem sorte

sou passarinho desengaiolado
e por mais que tentem me prender
que me cortem as asas
que me tirem as penas
que me deixem à míngua
sobrevivo
para que use todas as minhas forças
e transforme sua vida na prisão
que transformou a minha

qual o quê de insanidade o ser humano possui para prender um pássaro negro, que dá sorte, e, pelo mesmo fato, arrancam-lhe o de mais bonito que lhe deram: o voo. para sorte? sorte de quem?

poesia, como diz manoel, é voar fora da asa.
para o poeta é isso: não lhe tirem as metáforas. a vida. as letras. os bicos. lhe deem liberdade. com ela, ele volta. sem ela, ele morre.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

deixar de viver

as pessoas não procuram alguém para se completarem. elas procuram, em uma busca desesperada, por alguém que não as deixe solitárias, perdidas, confusas, tristes, sozinhas. como se, ao estar com alguém, significasse que nada disso existisse mais. ledo engano. aliás, as pessoas se enganam a todo o momento com outras. por isso a solidão é plena. é na solidão que nos conhecemos e exatamente por esse fato algumas pessoas não suportam a ideia de estarem sós. elas não querem se conhecer. não querem se olhar no espelho e apontar para elas mesmas: você é isso. o outro faz bem. o outro faz bem para o ego. estar com alguém, pode até ser amor, mas tem muito de egoísmo. engraçado, contraditório? real. é egoísmo achar que gosta, mas que gosta tanto, tanto, que faria tudo por aquela pessoa. tudo para aquela pessoa te amar? por ser contraditória, a vida não vem de viés. mas perder tanto tempo com frustrações parece que é deixar de viver.