quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

as moscas não choram...


“Aquela porta não tinha sentido”, pensou. Foi até ela. Estava aberta. Colocou a cabeça para fora. Respirou. Há quanto tempo não tinha a ideia exata do que era respirar? Quanto tempo navegara dentro de si mesmo para perder a ideia do que era pensar? Não sabia. Da mesma forma não sabia seu nome, não sabia o que ou quem era. Não sabia. Chorou. Se sentiu tão livre por poder respirar, pensar, sentir, que chorou. Profunda e amargamente chorou. Sabia que existia, mas não sabia quem era. Sabia que podia jorrar água pelos olhos. “Mas o que importa?”, falou em voz alta para si mesmo. E percebeu que falava. Mas com quem falava? Não havia se quer uma mosca para fingir que não estava louco. E se houvesse uma mosca, ele a mataria? Por que matamos as moscas se são as pessoas que tanto nos incomodam? Elas, as pessoas, sempre nos tocando, voando sob e sobre nós, pairando em nossos pensamentos, nos olhando com suas centenas de olhos que se transvestem em dois, nos perseguindo como se fossemos doces. Por que as moscas? Por que as moscas que matamos então? Não entendia, porém sentia tão profundamente sua dor que ardia em dores azedas, em sacrifícios tardios, em melancolias coloridas. Era só e adquirira tanta consciência disso que desejou nunca ter aberto aquela porta. Desejou simplesmente não parecer nada, ninguém, coisa nenhuma. Tentou entender como seria se mosca fosse. Tropeçou em seus pensamentos. A mosca, tão pequena, pensou, mas tão difícil de imaginar sê-la. “Se a mosca tivesse consciência do que é, do quanto a desprezamos, do quanto desejamos que ela simplesmente não existisse, será que ela gostaria de existir?”. Novamente chorou e quis ser mosca. Mas não era.

Secou despretensiosamente as lágrimas. Abriu a porta. Respirou. E saiu correndo. De repente percebeu que voava. Tinha virado mosca. Agora podiam mata-lo o quanto quisessem: pelo menos agora sabia quem era.

Nunca mais chorou.

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